Chamados a sofrer e regozijar: para que possamos ganhar a Cristo
Quanto ao mais, irmãos meus, alegrai-vos no Senhor. A mim, não me desgosta e é segurança para vós outros que eu escreva as mesmas coisas. Acautelai-vos dos cães! Acautelai-vos dos maus obreiros! Acautelai-vos da falsa circuncisão! Nós, que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne. Bem que eu poderia confiar na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus. Quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que, para mim, era lucro, isso considerei perda por Cristo. Simplesmente, considero tudo como perda, pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer; e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dos mortos. Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.
A Bíblia promete sofrimento para o povo de Deus
Estamos focando nessas semanas na necessidade de nos prepararmos para o sofrimento. A razão não é exatamente minha percepção de que os dias são maus e o caminho da justiça é sacrificial, mas é a promessa da Bíblia que o povo de Deus sofrerá.
Por exemplo, Atos 14,22 declara que Paulo anunciou às todas as Igrejas novas: “Por muitas tribulações, importa-nos entrar no reino de Deus”. E Jesus afirmou: “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros” (João 15,20). E Pedro declarou: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a vos provar, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo” (1 Pedro 4,12). Em outras palavras, isso não é estranho; deve ser esperado. E Paulo disse em 2 Timóteo 3,12: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”.
De modo que compreendo esse fato como uma verdade bíblica que, quanto mais nos tornarmos zelosos com respeito a ser o sal da terra e a luz do mundo, evangelizarmos os povos não alcançados do mundo, expormos as obras das trevas e rompermos os grilhões do pecado e de Satanás, mais haveremos de sofrer. É por essa razão que deveríamos nos preparar. E é por esse motivo que estou pregando nessas semanas sobre textos que ajudarão a nos preparar.
As mensagens lidam com quatro propósitos que Deus tem em nosso sofrimento a seu serviço. Um é o propósito moral ou espiritual: no sofrimento, esperamos mais plenamente em Deus e confiamos menos nos recursos do mundo. Segundo, há um propósito de intimidade: conhecemos mais a Cristo quando participamos de seus sofrimentos. Hoje, esse é o nosso foco.
O propósito de ter maior intimidade com Cristo
Deus nos ajuda a nos preparar para o sofrimento por nos ensinar e mostrar que, pelo sofrimento, tenhamos a intenção de aprofundar nosso relacionamento com Cristo. Você passa a conhecê-lo cada vez mais quando participa do sofrimento de Cristo. As pessoas que escrevem mais profundamente e amavelmente sobre a preciosidade de Cristo são as que sofrem com ele de maneira profunda.
O sofrimento na vida de Jerry Bridges
Por exemplo, o livro de Jerry Bridges 1, Trusting God, Even When Life Hurts, (Confiar em Deus, mesmo quando a vida nos faz sofrer) é um livro profundo e útil a respeito do sofrimento, bem como sobre ter um relacionamento íntimo com Deus pela aflição. E, desse modo, não é surpreendente aprender que, quando tinha 14 anos de idade, Jerry ouviu sua mãe chamá-lo no quarto próximo, de maneira completamente inesperada, e ele chegou ali para ver o último suspiro dela. Ele também tem algumas limitações físicas que o impedem de praticar esportes normalmente. E, exatamente há alguns anos, a esposa morreu de câncer. Servir a Deus com os The Navigators 2 não o poupou do sofrimento. Ele escreve com profundidade sobre o sofrimento porque passou por um sofrimento profundo com Cristo.
Sofrimento na vida de Horatius Bonar
Há mais de cem anos, Horatius Bonar, pastor escocês e hinólogo, escreveu um pequeno livro chamado Night of Weeping (Noite de Pranto) ou When God's Children Suffer (Quando os filhos de Deus sofrem). Nele, Horatius disse que seu propósito era “ministrar aos santos... procurar carregar seus fardos, sarar suas feridas e pelo menos enxugar suas muitas lágrimas”. O livro é compassivo, sábio e profundo. Assim, não é surpreendente ouvi-lo dizer qual era o propósito de seu livro.
O livro foi escrito por alguém que procura extrair o melhor do sofrimento e teme que ele passe como o vento sobre a rocha, deixando-a mais sólida como sempre foi; por alguém que, em cada infortúnio, fica mais próximo de Deus e o conhece mais e esteja disposto a confessar que até agora conhece a Deus pouco somente.
Bridges and Bonar nos mostram que o sofrimento é uma senda profunda para dentro do coração de Deus. Ele tem revelações especiais de sua glória para os seus filhos sofredores.
As palavras de Jó, Estêvão e Pedro
Depois de meses de sofrimento, Jó finalmente declara a Deus: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42,5). Jó era um homem piedoso, íntegro e agradava a Deus, mas a diferença entre o que ele conhecia com respeito a Deus na prosperidade e o que conhecia de Deus na adversidade foi a diferença entre ouvir sobre Deus e ver a Deus.
Quando Estêvão foi preso e levado a julgamento por sua fé e lhe foi concedida a oportunidade de pregar, o desfecho foi que os líderes religiosos estavam enfurecidos e rilhavam seus dentes contra ele. Estavam prontos a arrastá-lo para fora da cidade e matá-lo. Naquele exato momento, Lucas nos narra: “Estêvão, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à sua direita” (Atos 7,55). Há uma revelação especial, uma intimidade especial, preparada para aqueles que sofrem com Cristo.
Pedro afirmou desta maneira: “Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória de Deus” (1 Pedro 4.14). Em outras palavras, Deus reserva um advento e repouso especiais de seu Espírito e sua glória sobre seus filhos que sofrem por seu nome.
Três observações do texto
Portanto, o foco na mensagem de hoje é no fator intimidade no sofrimento. Um dos propósitos do sofrimento dos santos é que o relacionamento deles com Deus poderia se tornar menos formal, menos artificial e menos distante e se tornaria mais pessoal, mais real, mais íntimo, mais próximo e mais profundo.
Em nosso texto, Filipenses 3,5-11, quero que vejamos pelo menos três fatos:
- Primeiro, a preparação de Paulo para sofrer, por inverter seus valores;
- Segundo, a experiência de Paulo de sofrimento e perda como o custo de sua obediência a Cristo;
- Terceiro, o propósito de Paulo em tudo isso, ou seja, ganhar a Cristo: conhecê-lo e estar nele e ter comunhão com mais intimidade e veracidade do que ele tinha com seus melhores amigos Barnabé e Silas.
1. A preparação de Paulo para sofrer
Nos versículos 5 e 6, Paulo lista os valores distintivos que ele apreciava antes de haver se tornado cristão. Ele cita sua linhagem étnica como um filho puro-sangue de Abraão, hebreu de hebreus. Isso lhe trouxe grande lucro, um grande senso de importância e segurança. Ele era um israelita. Então, menciona três valores distintivos que eram a essência de sua vida antes que se tornasse cristão (no fim do versículo 5): “quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível”.
Os valores de Paulo antes de ele encontrar Cristo
Essa era a vida de Paulo. Foi o que lhe conferiu sentido e importância. Foi seu lucro, seu destino, sua alegria. Destinos diferentes para pessoas diferentes. E assim aconteceu a Paulo o que pertencia ao alto escalão dos cumpridores da lei, os fariseus e que, dentre eles, Paulo era extremamente zeloso, tanto que conduziu uma perseguição aos inimigos de Deus, a igreja de Jesus e cumpria a lei meticulosamente. Ele obteve êxitos por pertencer a uma raça, por distinguir a muitos de sua raça; obteve êxitos da parte de Deus — ou assim imaginou — pelo cumprimento irrepreensível da lei.
E, então, ele encontrou Cristo, o Filho do Deus vivo, na estrada para Damasco. Cristo lhe disse o quanto importava que ele sofresse (Atos 9,16). E Paulo se preparou.
Paulo considerou seus valores pregressos como perda
O modo como Paulo se preparou é descrito no versículo 7. “Mas o que, para mim, era lucro, considerei perda por Cristo”. Paulo considera sua posição no alto escalão da sociedade religiosa, os fariseus; ele considera a glória de estar no topo daquele grupo com todos seus êxitos e aplauso; ele avalia o rigor de seu cumprimento da lei e o senso de orgulho moral de que desfrutava, ele se prepara para sofrer ao tomar todo o seu mundo e virá-lo de cabeça para baixo, por inverter seus valores: “Mas o que, para mim, era lucro, [isto são os versículos 5 e 6] considerei perda por Cristo”.
Antes que Paulo fosse cristão, ele tinha uma lápide com duas colunas: uma que dizia lucro e outra que dizia perda. No lado do lucro, havia a glória humana dos versículos 5 e 6. No lado da perda, existia a terrível perspectiva de que o movimento em torno de Jesus pudesse escapar ao seu controle e Jesus se provasse real e vencesse. Quando encontrou o Cristo vivo na estrada para Damasco, Paulo tomou um grande lápis vermelho e escreveu “PERDA” em letras garrafais de cor vermelha na palavra lucro de uma coluna. E escreveu “LUCRO” com letras garrafais sobre a palavra perda da outra coluna, onde só havia um nome escrito: Cristo.
E Paulo não fez apenas isso, quanto mais ele refletiu sobre os valores relativos da vida no mundo e a excelência de Cristo, ele caminhou para além dos poucos valores mencionados nos versículos 5 e 6 e não colocou nada, exceto Cristo na primeira coluna: o versículo 8: “Simplesmente, considero tudo como perda, pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Ele começou considerando suas mais valiosas realizações como perda e terminou avaliando tudo como perda, a não ser Cristo.
Cristianismo normal
Para Paulo, era o que significava tornar-se cristão. E para que nenhum de nós pense que ele era excepcional e singular, observe sua declaração no versículo 17, com toda sua autoridade apostólica: “Irmãos, sede imitadores meus”. Esse é o cristianismo normal.
Paulo está mostrando como o ensino de Jesus deve ser vivido. Por exemplo, Jesus afirmou: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo”. Tornar-se um cristão significa descobrir que Cristo (o Rei) é um depósito de alegria santa e com a inscrição “PERDA” total de tudo no mundo para ganhar a Cristo. “Ele vendeu tudo que tinha e comprou aquele campo”.
Novamente, Jesus, em Lucas 14,33, disse: “Todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo”. Em outras palavras, tornar-se um discípulo de Jesus representa escrever a palavra “PERDA” em letras grandes sobre todas suas possessões e tudo mais que esse mundo pode oferecer.
O que isso significa na prática
Agora, o que isso significa na prática? Penso que significam três coisas:
- Significa que, em qualquer momento que for desafiado a escolher entre qualquer coisa neste mundo e Cristo, escolho Cristo.
- Significa que vou lidar com as coisas deste mundo de modo a estar mais próximo de Cristo e assim ganhar mais de Cristo e desfrutar mais dele pela forma como aproveito o mundo.
- Significa que sempre lidarei com as coisas deste mundo de modo a demonstrar que elas não são meu tesouro, mas, pelo contrário, demonstrar que Cristo é meu tesouro.
- Significa que, se eu perder alguma ou todas as coisas que este mundo pode oferecer, não perderei minha alegria ou meu tesouro ou minha vida porque Cristo é tudo.
Agora, eis a consideração que Paulo fez em sua alma (v. 8): “Simplesmente, considero tudo como perda, pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Cristo é tudo e tudo o mais é perda.
Por que essa é a forma de se preparar para sofrer?
Agora, vamos refletir por um minuto e nos situar nesse contexto. Ainda estou lidando com o primeiro ponto: este é o modo de Paulo se preparar para sofrer. Por que digo isso? Por que se tornar cristão e escrever “PERDA” sobre tudo em sua vida e que Cristo é uma forma de se preparar para sofrer?
A resposta é que sofrimento não é nada mais que a remoção de coisas más e boas que o mundo oferece para nossa felicidade, tais como reputação, estima entre amigos, trabalho, dinheiro, esposa, vida sexual, filhos, saúde, poder, visibilidade, audiência, sucesso, etc. Quando essas coisas são removidas (por força, por circunstância, ou por escolha), sofremos. Mas se seguirmos Paulo e o ensino de Jesus e as considerarmos perda pelo sublime valor de ganhar a Cristo, estamos então preparados para sofrer.
Se você se tornasse cristão, escreveria a palavra “PERDA” em letras grandes e com a cor vermelha sobre todas as coisas no mundo exceto Cristo, então quando Cristo lhe pedir para se privar de algumas delas, não será algo estranho ou inesperado. A dor e a tristeza podem ser grandes. As lágrimas podem ser muitas como foram as de Jesus no Getsêmani. Mas estaremos preparados. Saberemos que o valor de Cristo ultrapassa todas as coisas que o mundo pode oferecer e que, ao perdê-las, ganhamos mais de Cristo.
2. Paulo e sua experiência de sofrimento
Desse modo, na segunda metade do versículo 8, Paulo se move da preparação para o sofrimento real. Ele se move da avaliação de que todas as coisas são perda na primeira metade do versículo 8 para o sofrimento concreto da perda de todas as coisas na segunda metade do versículo: “... por amor do qual [isto é, Cristo] perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”. Vamos ver isso na próxima semana: Paulo experimentou muito mais perda real proveniente dos benefícios normais e confortos do mundo do que ele poderia dizer que não foi uma mera avaliação de coisas perdidas; ele sofreu perda. Ele estava preparado para virar seus valores de cabeça para baixo e, agora, ele é testado. Ele valorizou a Cristo acima de tudo?
3. A meta de Paulo (e o propósito de Deus) com o sofrimento
Permita-me concluir por fixar nossa atenção na meta de Paulo e no propósito de Deus com esse sofrimento. Por que Deus ordenou e Paulo aceitou as perdas que significavam para ele ser um cristão?
Paulo fornece a resposta repetidamente nesses versículos de modo a não perdermos o ponto. Ele não é passivo nesse sofrimento de perda. Ele é propositado. E seu propósito é ganhar a Cristo.
Versículo 7: “Isso considerei perda por Cristo”.
Versículo 8a: “considero tudo como perda, pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”.
Versículo 8b: “Por amor do qual perdi todas as coisas”.
Versículo 8c: “E as considero como refugo, para ganhar a Cristo...”
Versículo 9: “.. e ser achado nele” [“não tendo justiça própria”... para ter “a justiça que procede de Deus”].
Versículo 10a: (Paulo ainda enuncia sua meta em aceitar a perda de todas as coisas) “para o conhecer”.
Versículos 10b e 11: (seguidos por quatro razões específicas sobre o que significa conhecer a Cristo).
“... [conhecer] o poder da sua ressurreição;”
“a comunhão dos seus sofrimentos;”
“conformando-me com ele na sua morte;”
“para, de algum modo, alcançar a ressurreição dos mortos”.
Em outras palavras, o que sustenta Paulo no sofrimento da perda de todas as coisas é a confiança que, em sua perda das coisas preciosas no mundo, ele ganha algo mais precioso — Cristo.
E, por duas vezes, esse ganho é chamado um conhecimento — versículo 8a: “pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Versículo 10: “Para o conhecer”. Esse é o fator de intimidade no sofrimento. Queremos conhecê-lo? Queremos estar mais próximos dele, mais profundos, mais reais e mais íntimos com ele — tão mais de modo a considerar tudo como perda para ganhar o maior de todos os tesouros?
Se o fizermos, estaremos prontos para sofrer. Se não, o sofrimento nos tomará de surpresa e vamos nos rebelar. Que o Senhor possa abrir nossos olhos para vermos a sublimidade do conhecimento de Cristo!
1 Jerry Bridges é autor, conferencista e um dos líderes do ministério The Navigators. NT.
2 O ministério The Navigators começou em 1930, quando um jovem californiano Drawson Trotman teve uma nova perspectiva de ministério depois de ver a eficácia dos princípios básicos de discipulado. NT.