Verdade eterna para a Alegria de Todos os Povos
Vamos começar com as palavras “nações” e “povos”. “Louvem o Senhor, nações! Exaltai-o, todos os povos!” Há algum tempo, depois que preguei um sermão sobre missões, uma das crianças de nossa igreja perguntou à mãe, “Povos é uma palavra?” Ela havia aprendido que o vocábulo “povo” já se encontra no plural e assim não precisa acrescentar “s”. No entanto, está aí no Salmo 117.1. Na verdade, a palavra “povo” ocorre 234 vezes na versão ESV em língua inglesa, e assim, não é necessário acrescentar o “s”. Mas no Salmo 117.1, a forma plural é necessária.
A razão é que “povo” pode ser pluralizado do mesmo jeito que “grupo”. Um grupo tem pessoas nele. E um “povo” tem pessoas nele. Mas um grupo é grupo porque algo une as pessoas. E um povo é povoado de pessoas porque algo une as pessoas. Assim, pode haver “grupos” e pode haver “povos”.
O que une os povos do modo como a Bíblia utiliza a expressão não é principalmente a localidade, mas a cultura, incluindo coisas como língua e costumes, bem como características físicas. “Nações” e “povos”, na Bíblia, não se refere a estados políticos como os Estados Unidos, Espanha, Brasil, China, mas a agrupamentos étnicos, lingüísticos ou culturais dentro desses estados políticos. Por exemplo, se formos ao site de rede, China Source 1 veremos, para começar, uma lista de sessenta “povos” chineses (Dulong, Li, Lisu, Shui, Salar, Yao, etc.). Na Bíblia lemos sobre “os jebuseus, os amorreus, os girgaseus, os heveus, os arqueus, os sineus, os arvadeus, os zemareus e os hamateus e cananeus” (Gn 10.16-18).
Sendo assim, quando o Salmo 117.1 diz “Louvai ao SENHOR, vós todas as nações, louvai-o, todos os povos” está dizendo: Louvem ao Senhor, maninka da Guiné! Louvem ao Senhor, baluques do Paquistão! Louvem ao Senhor, bugis da Indonésia! Louvem ao Senhor, Wa da China! Louvem ao Senhor, povos somali e dakota de Minneapolis! “São o tipo de grupos aos quais Jesus se referia quando disse, após sua ressurreição: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações (panta ta ethne, mesma frase do Salmo 117.1 na Septuaginta), batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”.
São estes os grupos a que Jesus referia quando disse que “Este evangelho do reino será pregado por todo o mundo como testemunho para todas as nações, e então virá o fim” (Mt 24.14).
Uma pergunta importantíssima para os seguidores de Jesus dos dias atuais é – ou deveria ser – quantas nações existem e quantos desses povos ainda não foram alcançados com o evangelho do reino? Como é que ainda há muitos sem igreja e obedecem ao Salmo 117 e louvam ao Senhor?
Tomemos, por exemplo, uma pesquisa confiável do imenso Conselho Internacional de Missões dos Batistas do Sul dos Estados Unidos2. Para seus propósitos missionários, eles calculam a existência de 11,227 grupos de povos no mundo. Destes, 6,614 têm menos de 2% de cristãos evangélicos. Entre esses, 68 povos têm populações superiores a 10 milhões de pessoas; 433, populações entre 1 e 10 milhões e 1,452, entre 100 mil e 1 milhão.
Se você ouvir alguém dizer que os dias de missões ocidentais acabaram, saberá que há algo errado na cabeça ou no coração de quem fez tal afirmativa. Talvez ele não acredite que Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus deva ser louvado por todos os povos. Ou não acredite que alguém realmente esteja perecendo sem o evangelho. Ou creia que as pessoas daquela região em vista possam fazer melhor a tarefa do melhor que os ocidentais (pois isso é fruto de uma má compreensão do questão toda: não há, naquelas regiões, pessoas capazes de fazer o trabalho – este é, afinal, o significado da expressão “ povos não-alcançados”, e pessoas próximas que já foram alcançadas poderão ser menos aceitáveis culturalmente do que pessoas de fora daquele ambiente). O dia de Missões Ocidentais ainda não acabou. E o dia que acharmos que acabou será aquele em que se poderá escrever “rejeitada” sobre a porta dessa igreja. Deus quer que nos engajemos com ele na realização do Salmo 117.1: “Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos”!
Se você tem filhos que não sabem que “povos” é uma palavra e por que é uma palavra, sugiro que você se inscreva no Digesto Global de Oração3 (Global Prayer Digest) e leia-lhes uma história e ore com eles por um grupo de povos diferente cada dia. Os nossos filhos cresceram ouvindo as historias do Global Prayer Digest no café da manhã a cada dia, e agora Talitha faz o mesmo com seus filhos. Essa é uma parte da razão pela qual todos os nossos quatro filhos fizeram viagens missionárias quando eram adolescentes. Ah, que sejamos uma igreja onde as crianças e os jovens não apenas saibam que “povos” é uma palavra, mas consideram tão normais as curtas viagens de missões quanto as férias, e consideram os perigos e pesos e as alegrias das missões vocacionais um dom que todos devem pensar em receber.
Jesus Cristo está construindo sua igreja por todo o mundo. Fomos feitos para pensar, sentir e trabalhar com ele nesta causa. Quem sabe se muitos de nossos problemas pessoais não seriam devido à estreiteza do pensamento e mesquinhez de nossos afetos em relação aos propósitos globais de Deus. Que Deus nos dê mente e coração para conhecer, amar e alcançar os povos do mundo para a glória de nosso Salvador!
Não vamos nos situar entre o número daqueles que não enxergam que o mundo e a igreja mudaram dramaticamente nos últimos 100 anos – o mais grandioso século missionário de toda a história. Veja o que diz Andrew Walls em seu livro, The Transcultural Process in Christian History (O processo transcultural na história cristã):
[O Século XX] viu a grande recessão da fé cristã no Ocidente, mas tem havido um acesso igualmente gigantesco a essa fé no mundo não-ocidental. [No começo do século] bem mais que 80 por cento dos que professavam o Cristianismo viviam na Europa ou América do Norte. Agora, quase 60 por cento vivem nos continentes sul da África, Ásia, América Latina e o Pacífico, e essa proporção cresce a cada ano. O cristianismo começou o Século XX como uma religião ocidental; terminou o século como religião não-ocidental, rumando a tornar-se progressivamente mais assim4.
Não somos o centro. É possível que Deus tenha acabado com nossa prosperidade auto-absorta dos Estados Unidos, não sabemos. Mas, com certeza, ele está colocando outros no mapa de cristãos, a fim de nos humilhar e chamar-nos a confessar e nos regozijar porque outros poderão ser muito mais efetivos que nós em cumprir a Grande Comissão. A dinâmica da igreja e de missões jamais será a mesma.
Um pequeno exemplo está no modo como o debate na comunidade anglicana sobre pastores homossexuais está ocorrendo em escala global. Existem mais anglicanos na Nigéria do que na Inglaterra e Estados Unidos juntos. Os seus bispos são biblicamente conservadores, e eles votam. Quem diria, trinta anos atrás, que bispos liberais poderosos seriam chamados a prestar contas biblicamente às igrejas que eles plantaram na África?
É o novo mundo em que vivemos. É o mundo que Deus dirige e molda para sua glória. Então, vamos nos unir a ele em seu grande propósito global, e não sejamos limitados apenas a nossa preocupações locais em nossos pensamentos e sentimentos. Vamos nos entregar para missões, sendo enviadores ou indo pessoalmente.
O Propósito de Deus para as Nações e os Povos
O Propósito de Deus para os povos da terra está claro no Salmo 117, e é para essa segunda palavra que agora chegamos. A primeira palavra foi “povos” ou “nações.” Agora a segunda palavra é “louvar” ou “exaltar”. O versículo 1 diz: “Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos”. Este é o propósito de Deus: ser louvado por todos os povos . Que ele seja visto e provado e apreciado.
Missões é um movimento transcultural cujo alvo é ajudar as pessoas a parar de se acharem tão importantes e começarem a dar importância a seu Criador. Missões é um esforço transcultural de transformar os corações das pessoas para que Deus seja mais louvado do que estrelas dos esportes ou poder militar ou realizações artísticas ou qualquer outra coisa que Deus tenha criado. Missões é um esforço transcultural que ajuda as pessoas a experimentar Deus como Tesouro acima de todos os tesouros da terra para sempre. É uma luta de vida e morte a fim de dar vida eterna às pessoas, e isso consiste em conhecer e ter prazer em Deus para sempre.
Missões é dizer às nações que louvem a Deus, dando-lhes evidências de que é bom e agradável mostrar-lhes Deus abriu caminho para os pecadores pelo sangue e pela justiça de Jesus Cristo. Missionários não dizem simplesmente o Salmo 117: “Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos”. Eles dizem também o Salmo 147.1: “Louvai ao SENHOR, porque é bom e amável cantar louvores ao nosso Deus; fica-lhe bem o cântico de louvor”. Não dizemos apenas “Louvai ao Deus verdadeiro mediante seu Filho Jesus!”! Damos as razões para isso. Explicamos quem ele é e como ele tem operado na história e falado conosco na Bíblia e em seu Filho. Damos as razões pelas quais louvar a Deus é nossa única resposta segura e que satisfaz a Deus. Deixamos claro: Não louvar é perecer.
Aqui enfrentamos um problema. Nem todos ouvem o Salmo 117.1 como boas novas. Para muitas pessoas, a ordem dada por Deus de louvá-lo parece grande vaidade. Por exemplo, Michael Prowse, escrevendo de Londres no Financial Times, afirmou:
Adoração é um aspecto da religião que sempre achei difícil de entender. Suponha que postulemos um ser onipotente que, por razões a nós inescrutáveis, decidiu criar alguma coisa diferente dele mesmo. Por que ele deveria esperar que... o adorássemos? Não pedimos para ser criados. Muitas vezes nossas vidas estão cheias de problemas. Sabemos que tiranos humanos, inchados de orgulho, almejam a adulação e homenagens. Mas um Deus moralmente perfeito certamente não teria defeitos de caráter. Então, por que todas essas pessoas estão de joelhos todo domingo? 5
Noutras palavras, o único incentivo que Prowse consegue imaginar para que Deus exija o nosso louvor é que ele teria necessidade disso – um defeito. Mas o que dizer de nossa necessidade, de ver a beleza infinita e ter nela tanto prazer que ela derrama em louvor autêntico. O que dizer se a admiração realmente for o maior prazer e Deus o ser mais admirável do universo? Se isso for o caso, a exigência de Deus de que nós o louvássemos não seria uma exigência para nossa alegria máxima? Não o chamaríamos de amor? C. S. Lewis lutava com a mesma coisa, e fez a grande descoberta:
Mas o fato mais óbvio quanto ao louvor – quer de Deus, quer de qualquer outra coisa –estranhamente me fugia. Eu pensava em termos de elogio, aprovação, ou prestar homenagem. Nunca havia percebido que todo o prazer flui espontaneamente em louvor a não ser que (e às vezes até mesmo quando) a timidez ou o medo de entediar a outrem faça com que o reprimamos deliberadamente. O mundo ressoa com amantes que louvam suas amadas, leitores que louvam seu poeta predileto, caminhantes que louvam a caminhada pelo campo, jogadores que louvam seu jogo favorito – louvor ao tempo, a vinhos, a pratos, atores, motores, cavalos, escolas superiores, países, personagens históricos, crianças, flores, montanhas, selos raros, raros besouros, às vezes até mesmo a políticos ou estudiosos. Não havia notado como as mentes mais humildes, que, ao mesmo tempo, eram as mais equilibradas e capazes, são as que mais louvavam, enquanto os doidos, desajustados e descontentes louvavam menos. Eu também não havia percebido que assim como os homens louvam espontaneamente a tudo quando valorizam, também espontaneamente instam conosco para que os acompanhemos nesse louvor: “Ela não é linda? Não foi uma glória? Você não acha que isso é magnífico?” Os salmistas estão dizendo a todos que louvem a Deus, como todos os homens fazem quando falam sobre aquilo que mais prezam. A dificuldade maior e mais geral quanto ao louvor de Deus é quando as pessoas negam de maneira absurda, quanto ao que é supremamente Valioso – aquele em que nos deleitamos – o que na verdade não conseguimos deixar de fazer, quanto a tudo mais que valorizamos. Acho que nos deleitamos no louvor daquilo que gostamos porque o louvor não apenas expressas como também completa o prazer: é a sua designada consumação6.
A razão pela qual Deus busca nosso louvor não é por ser ele incompleto até que o receba. Ele busca nosso louvor porque nós só seremos felizes quando o dermos. “Louvai ao SENHOR, porque é bom e amável cantar louvores ao nosso Deus; fica-lhe bem o cântico de louvor”. (Salmo 147.1). Portanto, quando dizemos que missões é o esforço transcultural para ajudar os povos a louvar a Deus, estamos dizendo que missões é amor, não arrogância.
Missões é conclamar o mundo a fazer aquilo para o qual fomos criados – ter grandíssimo prazer em louvar a Deus para sempre. Se as missões não alcançarem um povo com o evangelho da glória de Deus na face de Cristo, Deus será desonrado e as pessoas serão miseráveis – eternamente. Assim, somos impelidos por dois motivos (que acabam sendo um só): a glória de Deus e o bem do homem. É uma única coisa porque o louvor a Deus é a consumação do prazer em Deus.
A Base do Louvor dos Povos
Finalmente, observe a base do louvor dos povos. “Louvai ao SENHOR, vós todos os gentios, louvai-o, todos os povos. Porque mui grande é a sua misericórdia para conosco, e a fidelidade do SENHOR subsiste para sempre. Aleluia!” Tal base nos conduz inevitavelmente a Jesus Cristo, que é base para o louvor das nações. Como é isso? É a base do amor e da fidelidade de Deus para com Israel! Deus é amoroso e fiel a Israel! Portanto, todas as nações e todos os povos fora de Israel louvem-no também!
Por que a bênção de amor e fidelidade de Deus para com Israel seria a base do louvor para todas as nações e todos os povos? Uma resposta resumida da Bíblia diz o seguinte: Quando Deus escolheu a Abraão, pai da nação de Israel, disse, em Gênesis 12.2-3: “de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Todas as famílias da terra – todas as nações, todos os povos – seriam abençoados por meio de Abraão.
Como? Porque a semente última, decisiva de Abraão foi o Messias, Filho de Deus, Salvador do mundo, Jesus Cristo. Paulo colocou nestes termos em Gálatas 3.16: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo”.
Este Jesus Cristo oferece a si mesmo como cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, não apenas o pecado de Israel (João 1.29). Diz ele que aquele que nele crê não perece, mas tem a vida eterna (João 3.16). Ele estende as mãos para Israel e para as nações, dizendo: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. (Mateus 11.28). E diz então aos discípulos: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mateus 28.18-20).
Assim, quando o Salmo 117 diz: “Louvai ao Senhor, todas as nações! Exaltai-o, todos os povos, porque grande é a sua misericórdia para conosco”, está dizendo, enfim, que todos os povos louvem a Deus, porque através de Israel, um Salvador viria ao mundo. Ele apagará todos os seus pecados. Cumprirá todas as exigências de Deus a seu favor. Morrerá e ressuscitará e se assentará à destra de Deus Pai. E virá julgar os vivos e os mortos.
Até esse tempo, ele está ajuntando os seus eleitos de todos os povos da terra por meio do fiel labor missionário de sua igreja. Um dia, ele será louvado por toda língua e tribo, todo povo e nação. É a sua meta. E ele nos chama a todos para ser pessoas que ou prosseguem em missão ou enviam missionários.
1 Acessado em: http://www.chsource.org 23
2 Acessado em: http://public.imb.org/globalresearch/Pages/default.aspx 25
3 Acessado em: http://www.globalprayerdigest.org/ 26
4 Andrew Walls, Transcultural Process in Christian History (NY: Orbis Books, 2002) pp. 63-64
5 Michael Prowse, Financial Times, 31 de Março , 2002, p. 2. 30
6 C. S. Lewis, Reflections on the Psalms (New York: Harcourt, Brace and World, 1958) pp. 93-95
Em parceria com Editora Fiel.