Você Quase não Pode Ensinar Novos Truques a Cachorro Velho
Reflexão sobre as possibilidades de mudança
Depois de eu haver ensinado sobre Lucas 5.39 (“Ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente”), alguém me sugeriu: “Talvez o que Jesus estava dizendo era que você não pode ensinar novos truques a cachorro velho”. Isso está quase correto. A verdade é esta: Jesus e seus ensinos eram o vinho novo que viera ao mundo, mas os escribas e os fariseus não podiam levar a si mesmos a provar aquele vinho, e menos ainda a desfrutá-lo.
No que diz respeito a mudanças de convicções religiosas sustentadas durante muito tempo, essas mudanças são quase impossíveis de acontecerem. Suponha que você tenha abraçado uma convicção doutrinária por mais de cinqüenta anos, e a tenha ensinado em aulas da escola dominical, e tenha se regozijado nessa convicção em seus momentos de devoção pessoal. E suponha que você esteja errado. Alguém aparece e lhe oferece o vinho novo de um ponto de vista contrário à sua convicção doutrinária, e este ponto possui apoio bíblico convincente e uma grande tradição histórica. Você, o “cachorro velho”, aprenderá esse “novo truque”? Os obstáculos são imensos.
Em primeiro lugar, a fim de mudar minha convicção aos 65 anos, tenho de admitir que pensei e cri de modo errado durante várias décadas. Isso é muito difícil para o meu ego. Como pude ignorar a verdadeira evidência por tanto tempo? Como pude ter sido ilógico em todo este tempo? Fechei meus olhos de propósito, indiferente à verdade? Nossa natureza humana se rebela contra o fazer essas admissões e quase sempre podemos achar desculpas para não aceitar o “novo truque”, não importando quão convincente seja o seu respaldo bíblico.
Em segundo lugar, durante todos estes anos, tenho desenvolvido meu relacionamento com Deus servindo-me de uma idéia errada. Tenho me deleitado num ponto de vista que não é verdadeiro. Isto não somente é árduo para o meu ego, mas também ameaça fazer com que meu relacionamento com Deus pareça superficial e abstrato.
Em terceiro lugar, se eu estou errado neste ponto, tenho enganado outras pessoas em todos estes anos. Ensinei coisas erradas a meus filhos, a meus alunos de escola dominical e à minha igreja. A disposição de rejeitar perante os outros essa acusação de meu ministério é tão forte, que meu subconsciente se engaja numa campanha injuriadora, para desacreditar esse “vinho novo”.
No entanto, eu ainda afirmo: você quase não pode ensinar novos truques a um cachorro velho. Há razões por que a mudança é possível. A mais importante é que o Espírito Santo dá o fruto de humildade, de modo que as ameaças ao nosso ego são anuladas. Ele abre nosso coração, para que atentemos ao que temos resistido (Atos 16.14). O que a carne e o sangue não podem fazer, Deus pode: “Não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16.17). Paulo tinha muita confiança nesta obra de Deus. Ele a expressou em Filipenses 3.15: “Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá”. Os cachorros velhos em Filipos seriam mudados no devido tempo.
Uma das maneiras que o Espírito Santo usa para ajudar-nos a mudar é ensinar-nos que Deus é misericordioso para com nossas idéias incorretas a respeito dEle e está disposto não somente a ter comunhão conosco, mas também a abençoar outros, apesar de nossas concepções defeituosas. Paulo nos recorda: “Porque, em parte, conhecemos... Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado... Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (1 Coríntios 13.9-12). Então, podemos descansar no fato de que nosso relacionamento com Deus tem sido autêntico e que pessoas têm sido abençoadas por nosso ministério, embora tenhamos espalhado idéias defeituosas a respeito de Deus e de seus caminhos.
Isto não significa que a verdade não é importante. A má teologia prejudicará, eventualmente, as pessoas e desonrará a Deus na proporção de sua má qualidade. J. I. Packer nos lembra: “A teologia evangélica é exata e bem definida, porque resulta de séculos de controvérsia que refletem a convicção de que, onde a verdade fracassa, ali a vida fracassa também” (Keep in Step with the Spirit, Old Tappan, N.J.: Fleming H. Revell Co., 1984, p. 173). Entretanto, Deus é paciente e misericordioso, enquanto a fé tateia o seu caminho rumo ao entendimento. E isso nos liberta, como cachorros velhos que somos, para fazermos os ajustes necessários, enquanto nos esforçamos para eliminar a madeira, o feno e a palha que serão queimados no Último Dia (1 Coríntios 3.12-13). Packer nos dá uma opinião equilibrada e cheia de esperança a respeito da verdade crucial e da tolerância compassiva no coração:
É certo que Deus abençoa os crentes exata e invariavelmente por revelar para eles parte da sua verdade, e aquela crença errada , como tal, é em sua natureza espiritualmente exposta e destruída. Contudo, aqueles que lidam com as pessoas se admirarão, vez após vez, da graciosa generosidade com que Deus abençoa os necessitados, os quais esperam de nós aquilo que parece ser uma verdade minúscula escondida em um amontoado de erro mental. Como já disse, inúmeros pecadores experimentam realmente a graça salvadora de Cristo Jesus e o poder transformador do Espírito Santo, enquanto suas idéias a respeito de ambos são esquisitas e, em grande parte, erradas. Onde estaria qualquer um de nós, se a bênção de Deus fosse concedida somente quando nossas idéias estivessem corretas? Todo crente, sem exceção, recebe mais ajuda e misericórdia do que a qualidade de suas noções lhe garantem (Keep in Step with the Spirit, p. 20).