Lilias Trotter e a Linguagem que Ninguém Conhece
Enquanto escrevo isto, a minha mulher Noël está em Knoxville, Tennessee, onde foi falar numa conferência de mulheres. Entre os seus temas ela tem uma biografia de Lilias Trotter. Trotter foi para a Argélia em 1888 como missionária e fundou a Algiers Mission Band. Uma das coisas mais notáveis sobre ela é que era uma pintora bastante talentosa antes de sair para África, uma das melhores artistas do século XIX, de acordo com John Ruskin. Desistiu desta carreira em troca de viagens perigosas em regiões muçulmanas onde ganhou convertidos entre os árabes, os franceses, os judeus e africanos negros.
Noël indicou-me um dos seus perspicazes pensamentos. Ele tem profundas implicações para a propagação da fé cristã no nosso mundo deveras secular. Citá-lo-ei e depois farei alguns comentários. Cautela, pois não é simples de entender no início. Ela escreveu em 1929,
Quando queremos uma palavra de humildade, esperança ou santidade, só podemos buscá-la nos clássicos, vagamente conhecidos por leitores comuns. Nós escrevemos para um povo ainda não espiritualmente nascido; as palavras só serão entendidas quando as realidades nas quais elas se firmam necessitem serem expressas. Temos de construir uma linguagem espiritual contra a época em que será desejada (I. Lilias Trotter, por Blanche AF Pigott, [London: Marshall, Morgan & Scott Ltd, nd], pp . 129-30)
Não se trata apenas de apresentar um Evangelho em palavras que as pessoas podem compreender, mas de dar-lhes a semente de uma linguagem espiritual em que as coisas que o Espírito Santo ensina possam ser expressas. A carência disso parece ser inversamente proporcional à riqueza da linguagem no respeito aos assuntos seculares... As palavras para as realidades espirituais têm de ser enxertadas na linguagem coloquial, esperando a seiva da nova vida para uni-las numa torrente através delas. (ibid., p. 137)
Pense por um instante em como as palavras se relacionam com a realidade. A palavra "dor de cabeça" existe porque essa experiência existe. Uma pessoa que nunca teve uma dor de cabeça só pode adivinhar o que a palavra se refere. Pode tentar fazer uma analogia: Talvez seja como uma náusea na cabeça. Ou pegue na palavra "cavalheirismo." Se um homem não tem essas tão nobres inclinações não importa quantas definições usemos, ele não saberá, na realidade, do que estamos falando.
Ou perguntemos: "Por que é que existe a palavra obsequioso?" Ela existe porque ao longo do tempo as pessoas mais exigentes viram um tipo de atitude e comportamento que precisavam de uma palavra para descrever. Se você ainda não viu e sentiu este tipo de comportamento, então ouvir sinônimos tais como adulador, bajulador, ou lisonjeiro não vão despertar esse conhecimento.
O que Lilias Trotter disse foi que as palavras referentes a realidades espirituais devem ser usadas mesmo quando a audiência - a cultura, a época - não tenha nenhuma experiência com a qual preencha os termos. "As palavras vão ser compreendidas quando as realidades para as quais se destacam venham a precisar de expressão. Temos de fazer uma linguagem espiritual [que sirva] o tempo em que será necessitada."
Imagine tentar comunicar a realidade da "santidade" e "reverência" a um bando de criminosos que apenas têm desprezo para com a religião e sem pano de fundo religioso. Imagine dizer-lhes que a palavra de Deus é "doce", ou que o "mansos" herdarão a terra, ou de que a fé apreende a "luz do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo." Estas realidades são absolutamente preciosas e cruciais. Elas não podem ser facilmente contidas ou transmitidas numa linguagem criada e definida sem essas experiências espirituais.
Noutras palavras, Lilias Trotter estava alertando contra a ideia de que todas as realidades cruciais podem ser comunicadas na linguagem e categorias que as pessoas trazem para o evangelho. Para ter certeza, o esforço deve ser feito para ajudar as pessoas a ver a nova realidade, usando como ponteiros as palavras que eles já conhecem. No dizer dela, "As palavras para realidades espirituais têm de ser enxertadas no coloquial." Mas o que vai fazer com que o entendimento aconteça será o despertar da nova vida espiritual, preenchendo as palavras enxertadas com a realidade. Então, como ela diz, "A seiva da vida nova [irá] uni-las numa torrente através delas."
Então, como ela conclui, não podemos simplesmente assumir que a linguagem secular pode compreender a realidade espiritual que queremos comunicar. Ao invés disso, devemos "dar-lhes a semente de uma linguagem espiritual em que as coisas que o Espírito Santo ensina possam ser expressas." Existem conceitos, palavras e categorias que talvez tenham de ser introduzidas (enxertadas em algo familiar), de modo a que as realidades preciosas possam ser entendidas. "As palavras serão entendidas quando as realidades para as quais se destacam venham a necessitar de expressão". Quando a "riqueza da língua para todas as finalidades seculares" é superior, ela diz, haverá pobreza da língua para fins espirituais.
Assim, apliquemo-nos a conhecer a realidade por detrás de toda a linguagem bíblica. E trabalhemos em construir tantas pontes para o nosso mundo quantas possamos para que os significados as possam atravessar. Mas não temamos em usar a linguagem espiritual da Bíblia onde ela é estrangeira. Quando todos os nossos esforços na comunicação forem feitos, Deus criará a realidade e preencherá as palavras.