"E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores."

Uma meditação em Mateus 6:12

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Founder & Teacher, Desiring God

Mateus 6:14-15: "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas."

Marcos 11:25-26: "E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, vos não perdoará as vossas ofensas."

Mateus 18:34-35: " E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas."

Não existem pessoas implacáveis no Reino de Deus. Assim sendo, como é que alguém pode ser salvo? Para os homens é impossível, mas não para Deus (Marcos 10:27). Mas, nesse caso, Deus torna-nos perfeitos nesta vida para que nunca deixemos de perdoar? Será que Ele nos traz ao ponto exato onde nossa resposta por cada insulto pessoal ou dano não é nunca, nem por um momento, ressentimento, raiva, vingança ou autocomiseração?

Chegando ao íntimo do perdão

Para responder a isto deixa-me perguntar: é o perdão a única virtude entre todas as qualidades que Jesus exigiu de seus discípulos? Ou seja, é apenas esta qualidade de que depende o perdão do Pai? Não! Todos os mandamentos de Jesus devem ser atendidos para que não pereçamos. Não é apenas um espírito implacável que separa uma pessoa de Deus; é o pecado. Se seu olho direito te faz pecar, arranca-o fora, ou o Pai não perdoará as tuas ofensas (Mateus 5:29). Se chamares louco ao teu irmão, o teu Pai não perdoará as tuas ofensas (Mateus 5:22). Se não amares o teu inimigo, o teu Pai no céu não perdoará as tuas ofensas (Mateus 5:44). Quem faz com que um desses pequeninos tropece não será perdoado pelo meu Pai (Mateus 18:6). Cada mandamento de Jesus está dizendo, "Se não fizeres isso, não entrarás no Reino," que é o mesmo que dizer "o Pai não te perdoará” (Mateus 7:21-23).

Assim, o mandamento "Perdoais para que sejais perdoados," é apenas um exemplo de toda a exigência ética de Jesus. Não é a excepção; é a regra. Como Jesus diz em João 8:34 e seguintes, "Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado. Ora o servo não fica para sempre em casa;" Ou como João diz na sua primeira carta: "Qualquer que permanece nele não peca; qualquer que peca não o viu nem o conheceu. Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus."(1 João 3:6, 9; cf 3:14, 16; 4:7, 8, 12, 16). Ou, como Paulo diz, "as obras da carne são manifestas... inimizades, contendas, ciúmes, raiva... aqueles que praticam tais coisas não entrarão no Reino de Deus (Gálatas 5:19-21, cf. 1 Coríntios 06:10; Romanos 08:13). Ou como diz o escritor aos Hebreus, "Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor;" (Hebreus 12:14 cf. 10:26 e seguintes; 6:4 e seguintes). Portanto, quando Jesus diz, "Se vós não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará a vós," ele não diz nada que seja diferente daquilo que todo o Novo Testamento afirma.

Não existe aqui uma contradição?

É isto um requisito pela perfeição sem pecado, sem a qual não seremos salvos? Se fosse, então, que sentido teria a súplica "Perdoa-nos as nossas dívidas”? Que sentido teria a admoestação para confessarmos os nossos pecados (1 João 1:9)? Se um discípulo fosse, por definição, aquele que nunca cometera pecado, então por que o teria Jesus instruído a orar "perdoa os nossos pecados" (Lucas 11:4)?

Que "dívidas" ou "pecados" denuncia Jesus que continuaríamos a cometer? Estaria Ele a falar de todos os tipos de pecados, exceto o de falhar em perdoar? Não, Ele não classifica os pecados desta maneira. Logo, uma das "dívidas" pela qual deveríamos pedir perdão é o nosso espírito intransigente, ou seja, a nossa incapacidade de perdoar. Mas observe o que acontece se substituirmos "nossa incapacidade de perdoar" por "dívidas" na oração do Senhor. Ficaria assim: "Perdoa-nos a nossa incapacidade de perdoar (uma dívida específica), como nós perdoamos aos nossos devedores." Mas isso parece ser uma contradição: "como nós perdoamos aos nossos devedores" implica que perdoamos; mas nossa petição, "Perdoa-nos nossa incapacidade de perdoar" implica que não perdoamos. A solução para esse aparente absurdo é reconhecer que a condição "como nós perdoamos aos nossos devedores" não significa que o discípulo nunca tenha momentos em que um espírito intransigente obtenha supremacia. Se Jesus disse que devemos orar para que as nossas dívidas sejam perdoadas e se uma dessas dívidas é, precisamente, o fracasso em perdoar, então a frase "como nós perdoamos aos nossos devedores" não pode, de maneira absoluta, implicar que apenas um espírito perfeitamente benevolente pode receber o perdão de Deus.

Quando Jesus disse aos seus discípulos para orar por perdão como eles perdoavam os outros não quereria Ele, portanto, dizer que eu deveria orar algo parecido com isto: "Pai, perdoa-me pela minha falha hoje em perdoar o Zé. Eu estava irritado e centrado em mim mesmo e quando ele disse o que disse irritei-me bastante com ele e guardei rancor durante todo o dia, deliciando-me na minha mente a imaginar como poderia mostrar-lhe a conta de todas as vezes que ele foi injusto para mim. A minha consciência falou-me esta tarde quando me lembraste da tua constante misericórdia em relação a mim. Então fui ter com ele e pedi desculpa (Marcos 11:25). Não desejo guardar rancor por mais tempo. Livraste-me da minha indignação egoísta e oro para que me perdoes a minha incapacidade de ter perdoado hoje o Zé e não me deixes cair novamente em tentação.”

Em outras palavras, "Perdoa-nos nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores" não significa que estamos perdidos se o velho espírito implacável se levantar em nós apenas uma ou outra vez. Significa que quem gosta de guardar rancor contra alguém não se deve atrever a aproximar-se de Deus em busca de misericórdia. Deus trata-nos de acordo com a convicção dos nossos corações: se acreditamos que o albergar ressentimentos e contabilizar os males que nos fazem é bom e belo, então Deus reconhecerá que o nosso pedido de perdão é pura hipocrisia — pois apenas pedimos-lhe para fazer o que acreditamos ser mau. É terrível tentar fazer de Deus o teu brinquedo, pedindo-lhe para agir de uma maneira que tu, tal como a tua ação demonstra, estimas muito pouco.

Graça que capacita o perdão

O perdão não é uma obra pela qual ganhamos o perdão de Deus. Ele flui de um coração satisfeito com a misericórdia de Deus e alegra-se no cancelamento da nossa própria dívida de 10 milhões de dólares (Mateus 18:24). Para o homem é impossível, mas não para Deus. "Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo." (Mateus 7:19). Mas a planta que perdura dá fruto porque é plantada por Deus (Mateus 15:13). Ninguém pode se orgulhar diante de Deus em seu próprio mérito (Lucas 17:10); e não é o seguir rigorosamente as regras, mas um espírito pobre e uma total confiança na misericórdia divina, que alcançam uma posição diante de Deus (Lucas 18:9-14; Mateus 5:3).

Mas uma coisa é certa: quem, através da misericórdia, nasceu do alto não pode mais ser a mesma pessoa. Ele não pode continuar pecando como antes dado que "a semente de Deus" está nele (1 João 3:9). Ele anda não segundo a carne, mas segundo o Espírito (Romanos 8:4), pois é guiado pelo Espírito (Romanos 8:14; Gálatas 5:18). Deus está a trabalhar nele vai e realizar a sua boa vontade (Filipenses 2:13). Quando "perdoamos de coração", isso é o fruto do Espírito (Gálatas 5:22). Fomos crucificados com Cristo e já não somos nós que vivemos, mas Cristo que vive em nós (Gálatas 5:20). Somos uma nova criação (Gálatas 6:15) e a marca da nossa novidade de vida ainda não é a perfeição, mas uma inclinação persistente para perdoar, um rápido restauro da nossa incapacidade de o fazer e uma petição constante a Deus para ignorar o pecado que abandonamos.